Com o advento da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), temos acompanhado muitas dúvidas sobre a inserção do CPF nos documentos fiscais, e se isso ainda seria possível ou se, de alguma forma, isso seria “proibido” devido a LGPD.

Nesse artigo iremos desmistificar esse conflito entre a LGPD e o CPF na Nota e identificar o porquê ainda é possível inserir essa informação no documento fiscal.

O que diz a LGPD?

A LGPD estabelece regras sobre o tratamento dos dados pessoais, afetando a todos, desde órgãos públicos a diferentes segmentos e serviços. Além disso, indica quais as hipóteses em que o tratamento do dado poderá ser realizado, criando um cenário de segurança jurídica.

De acordo com a Lei, dado pessoal é considerado como toda informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. Logo, o CPF certamente está qualificado como um dado pessoal.

Muitos acabam tomando a “falsa impressão” de que a lei “barra” ou cria “entraves” e, ainda, estaria conflitante com outras legislações anteriores a ela. No entanto, a LGPD dá direcionamento e cria processos seguros para garantia da privacidade e proteção dos dados.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais traz 10 bases legais para que possa ser realizado um tratamento de dados. Isso significa dizer que quando for realizado um tratamento (ex.: coleta, armazenamento, acesso, transferência, dentre outros), este deve estar vinculado a uma das 10 hipóteses legais previstas em seu artigo 7º.

Vamos abordar a base legal prevista no inciso II, do artigo 7º, que indica que o tratamento de dados poderá ser realizado “para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador”.

Essa base legal justifica os cenários em que empresas, por exemplo, precisam cumprir demais legislações e, necessariamente, precisam coletar dados pessoais. Nesse sentido, veremos que o CPF no documento fiscal está alinhado a esta hipótese.

CPF na Nota: por que devo colocar?

Em primeiro lugar devemos entender o porquê muitas vezes a informação do CPF do consumidor na Nota Fiscal de varejo (NFC-e ou Cupom do SAT) é necessária.

No caso da NFC-e (Nota Fiscal do Consumidor Eletrônica), o Ajuste SINIEF 19/2016 estabelece as regras gerais sobre esse documento fiscal. Uma delas é a obrigatoriedade de identificação do consumidor através do CNPJ ou CPF. Entretanto, como o CNPJ não é um dado pessoal, iremos falar apenas do CPF.

Pois bem, essa identificação, como regra geral, deve ser realizada:

  • nas operações com valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais); 
  • nas operações com valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais); 
  • quando solicitado pelo adquirente, ou nas entregas em domicílio.

Porém, cada Estado pode conter previsões adicionais sobre a identificação do consumidor neste documento, como: 

No Estado da Bahia, a identificação do consumidor pelo CPF deve ser realizado nas operações de entrega em domicílio; nas operações com o valor igual ou superior R$ 500,00 (quinhentos reais); ou nas operações com o valor inferior a R$ 500,00 (quinhentos reais), quando solicitado pelo adquirente. 

Já no caso do SAT, que é a tecnologia adotada apenas no Estado de São Paulo, a Portaria CAT 147/2012 estabelece que a identificação do adquirente deve ocorrer quando solicitada por este último; nas operações de entrega de mercadoria em domicílio; ou nas operações de vendas a prazo, hipótese em que deverão constar, também, as informações sobre a operação.

Perceba que os Estados podem inserir regras adicionais à previsão do documento de identificação do consumidor no documento fiscal. Mas em todo o caso, essas previsões constam, necessariamente, em uma legislação estadual.

Adequação a LGPD

Independentemente da regra adotada em cada Estado, sempre que a lei dispuser a obrigatoriedade da coleta de um dado pessoal, ela deve ser cumprida. 

Como já falamos no decorrer desse artigo, a LGPD não criou “proibições”. Mas, sim, diretrizes que visam assegurar os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, estabelecendo regras para o tratamento do dado.

A coleta do CPF, para identificação do consumidor na NFC-e ou no CF-e-SAT (Cupom Fiscal Eletrônico do SAT), deve ser realizada, visto tratar-se de cumprimento de obrigação legal, uma das hipóteses de tratamento disposta na Lei em estudo. 

Todavia, alertamos que se a empresa coleta o CPF do consumidor, pois está obrigada por uma lei estadual, e justifica que esse tratamento de dados está fundamentado na base legal “cumprimento de obrigação legal”, prevista no inciso II, do artigo 7º, da LGPD, deve estar atenta a não utilizar esse dado pessoal para outra finalidade que não a obrigação legal, tal como, por exemplo: cadastro em programa de fidelidade.

Caso a empresa, ao coletar o CPF do consumidor, queira utilizar para outras finalidades que não apenas o cumprimento da lei estadual, deverá justificar com outras bases legais previstas na LGPD e seguir os princípios e processos previstos nessa lei.

É importante sempre consultar um profissional para compreender o que a LGPD trata e para auxiliar na adequação de sua empresa. Tudo que é “novo” traz desafios, mas com o decorrer do tempo e internalização da lei, além de assegurar a privacidade dos brasileiros, deduzirá os entraves comerciais com países estrangeiros. 

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Lúcia Correia da Silva

Advogada especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito, Diretora de Departamento Jurídico, atuante nas áreas de tecnologias fiscais aplicadas ao comércio e privacidade de dados.