Após a histórica aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que estabeleceu os pilares da Reforma Tributária, os anos de 2024 e 2025 assumiram um papel igualmente essencial: o de criar uma estruturação legal e transformar os princípios constitucionais em normas legais detalhadas e operacionais.  

Este período tem sido marcado por um intenso trabalho legislativo e de articulação, focado na elaboração e, mais recentemente, na aprovação da Lei Complementar nº 214, sancionada em 16 de janeiro de 2025. Essa lei é o coração da regulamentação da reforma, essencial para que o novo sistema possa, de fato, sair do papel. 

A complexidade da transição de um sistema tributário tão intrincado quanto o brasileiro para um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual exige uma base legal minuciosa.  

Enquanto a Emenda Constitucional definiu o “o quê” e o “porquê” da reforma, a Lei Complementar tem a responsabilidade de detalhar o “como” essa reforma funcionará na prática. Isso inclui aspectos que impactarão diretamente o dia a dia das empresas e a vida dos cidadãos. 

Neste conteúdo, abordaremos sobre a Reforma Tributária e a estruturação legal em 2024 e 2025.  

Estruturação legal: o que diz a Lei Complementar nº 214? 

A elaboração da Lei Complementar nº 214 tem sido um processo complexo, envolvendo discussões aprofundadas sobre cada aspecto da tributação sobre o consumo.  

Ela é o instrumento jurídico que detalha o desenvolvimento do sistema de cobrança da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em nível federal e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) nos âmbitos estadual e municipal. 

Entre os aspectos centrais regulamentados por esta lei e sua estruturação legal, destacam-se: 

Definição das bases de cálculo 

A Lei Complementar estabelece com precisão sobre o que incidirão os novos impostos. Para a CBS e o IBS, a base de cálculo será o valor da operação com bens ou serviços, já considerando a regra do crédito financeiro amplo (semelhante ao IVA, que concede crédito sobre todas as aquisições, exceto as de uso e consumo final do consumidor).  

Essa clareza é fundamental para garantir a previsibilidade e evitar litígios futuros, que representam um problema recorrente no sistema atual. 

Diretrizes para as alíquotas do IBS e da CBS e estruturação legal 

O Ministério da Fazenda recalculou as porcentagens (alíquotas) dos novos impostos, o IBS e a CBS. Eles fizeram isso levando em conta as regras e detalhes que foram definidos na nova lei da Reforma Tributária, o PLP 68/2024 (que chamamos de Lei Geral do IBS e CBS). 

O PLP 68/2024, que agora conhecemos como a Lei Geral do IBS, CBS e Imposto Seletivo, é a legislação que detalha na prática a Reforma Tributária.  

Pense nele como o manual de instruções que explica como funcionarão os novos impostos: o IBS (que une impostos estaduais e municipais), a CBS (o imposto federal) e o Imposto Seletivo. 

Esse projeto de lei já foi aprovado pelo Congresso Nacional e virou lei com a sanção, o que significa que suas regras estão valendo desde o começo de 2025. Ele é quem transforma o que está na Constituição em normas aplicáveis no dia a dia. 

Segundo a Lei, a estimativa das alíquotas é: 

  • CBS: 8,8% 
  • IBS: 17,7% 

Os dois impostos resultam em uma carga tributária total de 26,5% no modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). 

Embora a Lei Complementar não fixe as alíquotas definitivas do IBS e da CBS, pois isso será feito por meio de atos posteriores após simulações para garantir a neutralidade da carga tributária, ela estabelece as diretrizes para sua determinação.  

A complexidade de calibrar essas alíquotas é imensa, dado o objetivo de manter a carga tributária global sem aumento para o contribuinte, mas distribuí-la de forma mais equitativa entre os setores e as etapas da cadeia produtiva. 

Funcionamento detalhado do Comitê Gestor do IBS 

A EC 132/2023 criou o Conselho Federativo do IBS, mas a Lei Complementar nº 214 detalha seu funcionamento.  

Ela estabelece as atribuições, responsabilidades e o modus operandi desse órgão fundamental, que será o responsável pela administração centralizada do IBS, garantindo a governança compartilhada entre estados e municípios.  

Isso inclui regras sobre a composição do conselho, o processo de tomada de decisões, a distribuição dos recursos e os mecanismos de fiscalização. A eficácia desse comitê será fundamental para o sucesso na arrecadação e no repasse do IBS. 

Aplicação do Imposto Seletivo (IS) 

A Lei Complementar regulamenta a aplicação do Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”.  

Ela define a lista de produtos e serviços que serão submetidos a essa tributação extra (como tabaco, bebidas alcoólicas, combustíveis fósseis, veículos poluentes, entre outros) e estabelece os critérios para a fixação das alíquotas, bem como os mecanismos de arrecadação.  

O objetivo do IS é desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. 

Regimes específicos e diferenciados 

A Lei Complementar também aborda os regimes tributários específicos e diferenciados que serão aplicáveis a determinados setores, como: 

Regimes específicos: 

  • Combustíveis; 
  • Serviços financeiros; 
  • Planos de assistência à saúde; 
  • Concursos de prognósticos; 
  • Bens imóveis; 
  • Cooperativas; 
  • Bares e restaurantes; 
  • Hotelaria e parques de diversão e temáticos; 
  • Transporte coletivo de passageiros; 
  • Agências de viagens e de turismo; 
  • Sociedades Anônimas do Futebol – SAFs; 
  • Tratados internacionais. 

Regimes diferenciados: 

  • Redução de 30% nas alíquotas:  
  • Profissões regulamentadas fiscalizadas por conselhos.  
  • Redução de 60% nas alíquotas:  
  • Serviços de educação; 
  • Serviços de saúde; 
  • Dispositivos médicos; 
  • Dispositivos de acessibilidade; 
  • Medicamentos; 
  • Composições enterais e parenterais; 
  • Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; 
  • Produtos de higiene e de limpeza, majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda; 
  • Entre outros. 
  • Redução das alíquotas a zero: 
  • Dispositivos médicos; 
  • Dispositivos de acessibilidade; 
  • Medicamentos; 
  • Composições enterais e parenterais; 
  • Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; 
  • Serviços prestados por instituição científica, tecnológica e de inovação sem fins lucrativos; 
  • Automóveis adquiridos por pessoas com deficiência, pessoas com transtorno do espectro autista ou por taxistas. 
  • Isenção:  
  • Transporte público coletivo de passageiros rodoviário urbano, semiurbano Ou metropolitano. 

A regulamentação desses regimes é fundamental para garantir que setores com particularidades operacionais não sejam prejudicados pela generalidade do IBS/CBS. 

Regime de cashback para famílias de baixa renda 

Um dos aspectos sociais mais importantes da reforma, o cashback também é detalhado na Lei Complementar.  

A Reforma Tributária vai introduzir um mecanismo de “cashback” para ajudar as famílias de baixa renda.  

Funciona da seguinte maneira: as famílias cadastradas no CadÚnico (Cadastro Único do Governo Federal) receberão de volta o valor total da CBS (o imposto federal sobre bens e serviços) e 20% do IBS (o imposto estadual e municipal sobre bens e serviços) que pagarem em contas de água, luz, telefone, internet e gás. 

Para ter direito a esse benefício, a família precisa ter uma renda mensal de até meio salário-mínimo por pessoa e estar inscrita no Cadastro Único do governo. 

Confira: 

  • Botijão de gás (13 kg): ao comprar o gás, a família receberá de volta 100% do imposto federal (CBS) e 20% do imposto dos estados e municípios (IBS); 
  • Contas de consumo (luz, água/esgoto e gás encanado): será devolvido 50% do imposto federal (CBS) e 20% do imposto dos estados e municípios (IBS) pagos nessas contas; 
  • Outros produtos: para a maioria dos outros itens comprados, a família terá a devolução de 20% tanto do imposto federal (CBS) quanto do imposto dos estados e municípios (IBS). 

É uma forma de garantir que esses serviços essenciais fiquem mais acessíveis para quem mais precisa, diminuindo o impacto dos novos impostos sobre o orçamento dessas famílias. 

Vale ressaltar que a lei estabelece os critérios para identificar as famílias elegíveis e os mecanismos de devolução. 

Quer ficar por dentro das novidades sobre o assunto? Leia o nosso artigo completo sobre o cronograma completo da Reforma Tributária em nosso blog!